Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
25 de Abril de 2024

Desvio Produtivo: Justiça recompensa consumidor por tempo perdido para resolver problema

Indenizações concedidas por tribunais adotam a teoria do chamado desvio produtivo do consumidor

Publicado por Marcos Dessaune
há 6 anos

Por Arthur Rosa - Do Valor Econômico - Em 27/06/2018

Consumidores têm sido recompensados, na Justiça, pelo tempo que gastaram para tentar resolver problemas com fornecedores de bens ou serviços. As indenizações dessa nova espécie de dano moral levam em conta o chamado "desvio produtivo", uma teoria desenvolvida por um advogado do Espírito Santo e aceita pela segunda instância.

O primeiro tribunal estadual a analisar a teoria foi o de São Paulo (TJ-SP), em 2013, segundo o autor, o advogado Marcos Dessaune. De lá para cá, ganhou força na segunda instância. Levantamento feito por ele mostra que, entre fevereiro de 2017 e março deste ano, dobrou o número de acórdãos utilizando expressamente a tese – passou de 852 para 1.785, ampliando de 14 para 20 o número de tribunais de Justiça.

No início do mês, o TJ-SP condenou uma empresa de comércio eletrônico a pagar danos morais no valor de R$ 5 mil a um consumidor, além de danos materiais. Ele comprou um celular Iphone 6S que não foi entregue. Mesmo após inúmeros contatos telefônicos e protocolos de atendimento do Serviço de Atendimento (SAC), o problema não foi resolvido.

O consumidor venceu em primeira e segunda instâncias. Em seu voto, o relator do caso (apelação nº 1007464-37.2017.8.26.0269) na 33ª Câmara de Direito Privado, desembargador Sá Moreira de Oliveira, entendeu que houve "perda de tempo livre" para tentar resolver o problema. "Trata-se daquelas hipóteses em que o consumidor, para resolução da questão oriunda do descumprimento contratual, tem que despender de tempo e energia consideráveis, quando poderia utilizá-lo para uma atividade necessária ou outra de sua preferência", diz.

No Amazonas, um dos Estados com mais decisões sobre a teoria, uma consumidora obteve indenização de R$ 15 mil por um televisor com defeito – verificado no momento da instalação. A autora tentou por cerca de um ano substituir o bem ou o seu conserto por meio de contatos com o fabricante, sem sucesso.

Em seu voto (apelação nº 0255718-32.2008.8.04.0001), o relator do caso na 3ª Câmara Cível do TJ-AM, desembargador Cláudio Roessing, afirma que a motivação do dano moral não foi o simples fato de o consumidor haver adquirido o produto com defeito, mas a espera absurda para tentar consertar ou trocar o produto.

"Entendo, assim, ser notável a sensação de incapacidade do consumidor", diz. E acrescenta: "Aliás, o descaso de uma empresa com o tempo do consumidor, levando ao seu desvio produtivo, tem sido uma problemática examinada pela doutrina especializada nos últimos anos."

Serviços ruins, prestados por companhias telefônicas e bancos, também são comuns nas ações em busca de danos morais. No Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), um cliente de telefonia fixa conseguiu reformar sentença e ser indenizado (apelação cível 1.0056.13.029006-9/003).

No caso, depois de contestar valores extras nas faturas, teve o serviço suspenso. Em seu voto, a desembargadora Cláudia Maia, da 14ª Câmara Cível, levou em consideração o "desgaste e significativo tempo despendidos na tentativa de solução extrajudicial do imbróglio". Fixou danos morais no valor de R$ 7 mil ao consumidor.

As indenizações não são altas, mas começam a chamar a atenção pelo crescente volume, segundo advogados. Já há, inclusive, precedente da Justiça Federal. Recentemente, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região concedeu indenização de R$ 2 mil a um casal de mutuários do Programa Minha Casa Minha Vida, de Joinville (SC) por "perda do tempo útil" (apelação cível nº 5008794-42.2016.4.04.7201).

"Cada vez mais consumidores têm ingressado em juízo pleiteando indenizações com base nessa teoria, surpreendendo empresas que ainda não se encontram totalmente preparadas para essa modalidade de demanda", diz o advogado Leandro Aghazarm, do Dalle Lucca, Henneberg, Duque Bertasi e Linard Advogados.

Demandas que apostam na teoria, desenvolvida a partir da "intensa" vivência do autor como consumidor. "Intuí que os prejuízos que o consumidor sofria não se limitavam aos tradicionais danos materiais e morais tratados pelo direito brasileiro", afirma Dessaune:

"O consumidor, ao desperdiçar o seu tempo vital e se desviar das suas atividades para tentar resolver problemas de consumo, sofre necessariamente um dano extrapatrimonial de natureza existencial, que é indenizável."

A tese já foi levada ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os ministros, porém, ainda não analisaram o mérito da questão. Apenas chancelaram, por meio de decisões monocráticas, acórdãos do TJ-SP. Há também uma citação em decisão colegiada, em voto da ministra Nancy Andrighi, da 3ª Turma (REsp 1634851).

Para a ministra,

"a modernidade exige soluções mais rápidas e eficientes". E acrescenta: "Assim, não é razoável que, à frustração do consumidor de adquirir o bem com vício, se acrescente o desgaste para tentar resolver o problema ao qual ele não deu causa."

FONTE: http://www.valor.com.br/legislacao/5623647/justiça-recompensa-consumidor-por-tempo-perdido-para-resolver-problema

  • Sobre o autorAutor da "Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor"
  • Publicações10
  • Seguidores185
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações1669
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/desvio-produtivo-justica-recompensa-consumidor-por-tempo-perdido-para-resolver-problema/597196819

Informações relacionadas

Tribunal Regional Federal da 4ª Região
Jurisprudênciahá 6 anos

Tribunal Regional Federal da 4ª Região TRF-4 - APELAÇÃO CIVEL: AC XXXXX-42.2016.4.04.7201 SC XXXXX-42.2016.4.04.7201

4 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)

O mais paradoxal é que os fornecedores, por meio da oferta de seus produtos e serviços, prometem, exatamente, fazer com que o consumidor poupe seu tempo; disponibilizam canais de vendas práticos, rápidos e eficientes, mas, no momento de solucionar eventual problema ocorrido na fase pós-contratual, não se vê a mesma eficiência, rapidez e praticidade para que o consumidor solucione a demanda. Ligações para SACs e Call Centers caem (de propósito) ou, quando muito, são transferidas para outros 397 atendentes para - adivinhem - cair de novo quando o consumidor, já cansado, imagina estar chegando ao fim sua via crucis em busca de seus direitos.

O pior é que muitos magistrados julgam esse calvário enlouquecedor como "mero aborrecimento do cotidiano".

Ora, mero aborrecimento é um pneu que fura a caminho do trabalho, uma chuva inesperada que nos impede de ir a uma festa, uma epidemia que nos recomenda não frequentar locais aglomerados; enfim, algo imprevisível, inesperado, que foge do controle humano.

Parabéns aos operadores do direito que, cônscios da função social que tal ciência possui, lutam e garantem que a justiça prevaleça nesses casos. continuar lendo

Concordo plenamente, caro amigo e colega Vitor Guglinski. Grande abraço! continuar lendo

Excelente texto doutor. A responsabilidade civil é um tema que vem ganhando novos contornos, sempre no sentido de amparar uma vítima que sofreu um dano injusto, buscando formas adequadas de responsabilizar o ofensor. Sou a favor de sentenças mais severas que tenham caráter punitivo e pedagógico, como nos propõe a Teoria dos Punitives Damages, mais conhecida por Teoria do Desestímulo. Gostaria de ver o STJ apoiando mais essa vertente em detrimento das grandes empresas com um lobby dentro do Direito Consumerista. continuar lendo