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20 de Abril de 2024

Artigo: Davi e Golias no Judiciário

A OAB/RJ conseguiu a revogação da Súmula 75 do "mero aborrecimento" do TJRJ, invocando a "Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor" que vem sendo acolhida até pelo STJ

Publicado por Marcos Dessaune
há 5 anos

Luciano Bandeira - O Globo - 11/01/2019

Um cidadão que gasta sua energia e perde seu tempo de trabalho, de lazer e convívio com familiares para resolver um problema que não foi causado por ele, mas por um prestador de serviços que não entregou o que estava contratado da forma acordada, merece reparação por dano moral? A OAB/RJ entende que sim e, por isso, vinha batalhando para que o Tribunal de Justiça revogasse a Súmula 75. Ela estabelecia que “o simples descumprimento de dever legal ou contratual, por caracterizar mero aborrecimento, em princípio, não configura dano moral, salvo se da infração advém circunstância que atenta contra a dignidade da parte”.

Desde 2005 foi esse o entendimento da Justiça no Rio de Janeiro. Até que no fim deste ano judiciário, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça revogou a Súmula 75. Sua criação, na prática, vinha favorecendo os maus prestadores de serviço. Segundo o TJ-RJ, nos últimos cinco anos foram mais de dois milhões de queixas de consumidores nos Juizados Especiais Cíveis.

Nos últimos 12 meses, quase 300 mil casos foram parar na Justiça. As cinco campeãs de reclamações respondem por mais da metade das queixas. Todas operam serviços essenciais que têm algum tipo de concessão pública: duas empresas de eletricidade, duas de telefonia e um banco.

Entre as 30 maiores no último ano, além de outras companhias de telefonia, de serviços de telecomunicações e bancos, há também empresas de cartão de crédito, outras concessionárias de serviços públicos, empresas de varejo, uma universidade, um plano de saúde e uma de transporte aéreo. São empresas grandes e poderosas que concentram as reclamações, até por causa da grande base de clientes.

E como fica o sujeito que deixou de embarcar por overbooking e não chegou a tempo do aniversário de um filho? Ou o casal que teve sua viagem de lua de mel cancelada pelo operador de cruzeiro, teve custo extra comprando novo pacote em outra empresa e por isso foi obrigado a desconvidar pessoas para a festa de casamento? E a família que perdeu toda a comida que estava na geladeira por conta da falta de energia durante dias? Ou o cidadão que gastou horas tentando cancelar um cartão de crédito não solicitado?

Para a Justiça, até agora isso era entendido como um "mero aborrecimento", e o mérito da questão não era sequer apreciado, livrando as empresas de suas responsabilidades.

A penalização de uma empresa que não entrega o que promete é um estímulo para melhorar a qualidade do serviço. O conceito do "mero aborrecimento" agia justamente na direção contrária.

A OAB/RJ resolveu questionar a súmula invocando a Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, que já vem sendo acolhida por instâncias superiores, como o STJ.

Segundo a tese, “o desvio produtivo caracteriza-se quando o consumidor, diante de uma situação de mau atendimento, precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências – de uma atividade necessária ou por ele preferida – para tentar resolver um problema criado pelo fornecedor, a um custo de oportunidade indesejado, de natureza irrecuperável”. De acordo com esse princípio, todo tempo desperdiçado pelo consumidor para a solução de problemas gerados por maus fornecedores constitui dano indenizável.

Afinal, pela lei, dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, a intimidade, a imagem, o bom nome etc, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação.

Agora, no Rio, o dano moral não é mais um mero aborrecimento.

Não é todo dia que o consumidor comum, anônimo, tem seus diretos reconhecidos e vence uma batalha importante - e justa - contra um grupo de grandes empresas. Pois foi isso que ocorreu no Tribunal de Justiça do Rio. O consumidor carioca teve seu dia de Davi.

Luciano Bandeira é o novo presidente da OAB/RJ

FONTE: Jornal O Globo

https://oglobo.globo.com/opiniao/artigo-davi-golias-no-judiciario-23362897

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Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/artigo-davi-e-golias-no-judiciario/674282712

4 Comentários

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Até que enfim, ufa. Mas tem que ser aplicado no Brasil inteiro inclusive nas cidades do interior, não só nas grandes capitais continuar lendo

Pode.se transpor esse novo entendimento para campos diversos do CDC? Em um contrato de parceria p/ construção de um loteamento, a parte que entraria com a área entregou o combinado, mas o lado que construiria o loteamento não cumpriu. Isso me trouxe muito sofrimento físico, moral e emocional. continuar lendo

Excelente sua teoria, uso muito nas minhas peças. continuar lendo

Ótima matéria. Atualmente estou movendo um processo conta a empresa SKY. Sou usuário desde 2012 na modalidade intitulada SKY LIVRE Em meados do ano passado o sinal foi cortado, com a alegação de falta de atualização cadastral. ao adquirir a SKY LIVRE não me foi informado nada a respeito e tão pouco assinei qualquer contrato. Fiz uma reclamação junto a ANATEL e a SKY prometeu-me em 31/12/2018 a titulo de exceção que ela iria reativar o sinal. Até esta data (30/03/2019) ela não cumpriu com o prometido. Foi dada uma liminar para reativação em 3 dias e com estipulação de multa diária de R$100,00. Passados 30 dias, estou sem sinal, sem receber a multa estipulada pela justiça. Não vou esmorecer. Vou a luta. continuar lendo